Entrevista com Antonio Thadeu Wojciechowski.

Polaco da Barreirinha

Vida/ um ano a mais/ um ano a menos/ que diferença faz/ quando já somos/ mais ou menos/ mais suaves/ mais sábios/ mais fortes/ mais justos/ e de mais a mais/ cromossomos/ um ano a mais/ um ano a menos/ a vida é cais/ e lá vão nossos sonhos:/ barcos pequenos/ um ano a mais/ um ano a menos/ lendo os sinais/ nos esquecemos/ e quando nos lembramos/ é tarde demais/ um ano amais/ outro odiais/ um ano demais/ outro de menos/ um ano tanto fez/ outro tanto faz/ um ano como nunca ouve outro/ um ano sem pagar e só levando o troco/ um ano que vem/ um ano que vai/ e os mesmos ais/ mais amenos. Leia a entrevista com o autor do poema Vida, Antonio Thadeu Wojciechowski.

Antonio Thadeu Wojciechowski é um homem alto, que carrega o mesmo bigode desde os 24 anos. É poeta, compositor, escritor, publicitário e pai de quatro filhos. Thadeu é cheio de amigos e parceiros, na vida e na poesia. Simples, sincero, falador, esse polaco de origens misturadas recebeu o PlanoB em sua casa, na Barreirinha, em uma fria e chuvosa noite de Curitiba. Falou sobre os mais de 60 parceiros de música, o livro lançado recentemente, Não Temos Nada a Perder, o cd que vai lançar em breve, Wojciechowski, e sobre o blog polacodabarreirinha.blogspot.com. É assim que começa essa conversa.

Aconteceu um acidente no seu blog, né?

Entraram já duas vezes. Uma não consegui salvar porque eles deletaram tudo, mas eu tinha cópia no Word. Eles entraram numa madrugada, daí pediram dinheiro, é óbvio que eu não iria pagar 250 euros, então preferi abrir um outro endereço. E daí entraram nesse endereço novo, só que o cara exigiu dinheiro e não fez nada. Mudei de senha, não sei se ele perdeu a jogada…

Quando cheguei aqui a gente estava conversando sobre a falta do interesse da imprensa sobre o seu trabalho, mas os hackers estão interessadíssimos pelo jeito.

Tão né, é que escrevo muito. Agora estava com 642 postagens de setembro de 2005 pra cá. Daí deletei 300 e poucas para poder aliviar um pouco o blog, porque se tem muito volume os caras acham que tem um valor muito grande e tal.

Procurei seu último livro, Não Temos Nada a Perder, escrito em parceria com Sérgio Viralobos, pelas livrarias de Curitiba e não achei…

Tem na Livraria do Chain e na Guerreiro. A Livraria Curitiba não quer comprar, a Livraria Ghignone não quer comprar, não quer nem aceitar em consignação. Você acredita nisso?

Por que?

Não sei qual é a política que eles têm. Porque veja bem, para um cara de livraria, um vendedor, o que eu posso significar? Nada, né? Se não tem lá um cadastro para saber quem é quem, não sou eu quem vai chegar lá e dizer: ‘tenho tantos livros e tal’. Não dá para eu chegar lá e fazer isso. Fui e deixei dez livros na Guerreiro, dez no Chain, dez no Beto Batata…

No Beto Batata eu comprei o último.

Que bom, vendeu tudo já. Lá sempre vende bem, por isso que sempre faço lançamento lá, paga quase a edição do livro. Então, cheguei na Livraria Ghignone e não aceitaram o livro. Na Curitiba pegaram o livro e disseram que iam ler e daí entrar em contato para ver se interessava aquele livro na livraria. Daí, falei: ‘mas quem vai ler esse livro?’. ‘Eu mesma’, disse a vendedora. Digo: ‘ah, você, então boa leitura’.

Dá vontade de dizer: então você paga esse, lê e depois me avisa.

Dá vontade de dizer: dá para você pagar esse pelo menos, já que você não vai comprar…

Sempre foi assim?

Sempre. Mas eu vendo bem. De todos os meus livros tenho pouquíssimos exemplares. Dos 25 que publiquei, isso sem contar os que não são vendidos, são capítulos, outras coisas. Não tenho nada, quase. Tenho um pouco de TAO (publicado em 2001), um pouco de Não Temos Nada a Perder. Os outros, não posso nem dar porque nem tenho cópia. Agora consegui uma cópia de um livro que eu gostava muito, tinha lançado uns anos atrás, consegui uma cópia graças a uma amiga que faleceu. Tadinha…

Era uma cópia autografada que você resgatou?

Isso. Mas ponho muita coisa no blog, no momento estou treinando decassílabo e dodecassílabo. Então estou colocando só o que escrevo diariamente. Hoje (22 de maio), por exemplo, coloquei duas pérolas e não é todo dia que você faz duas pérolas. Fiz um de manhã sobre a Chuva e fiz outro à tarde sobre a Vida de Poeta, fiquei muito satisfeito com os dois. Porque é difícil eu me contentar, viu? Às vezes faço, ponho, mas não curto.

Coloca para testar?

É, daí vejo o que as pessoas dizem.

São sempre comentários muito amigáveis.

É, porque na verdade é tudo um bando de puxa saco, hahaha, apesar de que a maioria eu não conheço. Conheço uns quatro, cinco, seis que visitam o site.

Que são os nomes linkados no seu blog.

É, os linkados, que vão lá e tal. O resto não conheço, mas fico feliz pela recepção, pela forma como eles entendem o poema. Muitas vezes eles pegam só um aspecto do poema, mas já é bastante. O pessoal não gosta muito de poesia, prefere essas coisas fáceis, tipo essas letras de música que estão no rádio hoje. Elas são uma poesia de consumo de fácil leitura, aliás nem precisa entender nada, simplesmente ouve e dança, mexe a bunda, não? Agora a poesia mesmo, como entendo poesia, é uma coisa mais sofisticada, uma leitura mais inteligente, digamos assim.

A primeira pergunta que eu pensei em fazer, lendo a sua poesia, é: só o amor salva, Thadeu?

Só o amor salva, hahaha. Na verdade, veja bem, tenho um grande amor na vida que é a poesia. Esse amor me dá força, me sustenta, me deixa vivo, faz eu enfrentar qualquer dificuldade com clareza, com discernimento, até com alegria às vezes. Acredito mesmo que esse amor que tenho pela poesia seja tudo, o maior tesouro que tenho na vida. Porque a poesia se mistura muito com a vida. Para mim, são os vários retratos que faço da vida. No fim, você pega cada pedacinho daquele e vai ter a qualidade da vida. Se você ler os poemas que postei hoje, vai achar engraçado porque escrevo sobre isso.

E como é a vida de poeta, como você começou a ser poeta?

Sou poeta desde que nasci. Vou fazer 56 anos esse ano. E comecei a escrever bem cedo, acho que tinha cinco para seis anos, acho, quando comecei  a escrever versinhos. Minha mãe adorava versos. Minha mãe é uma mulher que teve 10 filhos e a gente era muito pobre, mas pobre de dar dó mesmo, e minha mãe tinha tempo para ler, para declamar poesia, e ela adora Augusto dos Anjos. E, por incrível que pareça, meu poeta preferido, de todo o mundo o meu poeta preferido é Augusto dos Anjos. Acho o poeta mais lindo de todos, que tem mais beleza interior. As pessoas não entendem a poesia dele, até fiz um poema para ele esses dias, que era ‘para os que não entendem nada de Augusto dos Anjos’. Adoro o Augusto dos Anjos. Então a minha mãe, quando a gente era pequeno, ela vivia declamando poemas dele…

Como a sua mãe conheceu essa poesia?

Minha mãe era professora, foi professora em Blumenau e em Brusque. Daí conheceu meu pai, se mudaram para Curitiba, meu pai era polonês, pintor de quadros, de parede, de letras e tal, então meu pai também tinha um pouco de ler bastante e tal. E acabou contaminando. E desde pequeno a gente tinha essa coisa, essa disputa de escrever coisas e tal. Acho que no transcorrer de toda a minha vida a poesia sempre foi um elemento presente. Como leitura ou como expressão. Comecei cedo a fazer música, e a poesia se insere nisso também. Penso em música e poesia desde pequeno, amanheço com melodias, com pensamentos, o dia inteiro fico pensando nisso. Quando tenho que parar para trabalhar em alguma coisa me dá nos nervos, entendeu? Quando tenho que ganhar um dinheiro, acho horrível, sabe? Ter que parar para fazer outra coisa, que não é o que realmente gosto de fazer.

Com quantos anos você publicou o seu primeiro livro?

Com 18, super cedo.

Você ainda gosta do que você escreveu naquela época?

Não. Gosto de algumas coisas, mas também isso é normal, você pega um cd e gosta de duas, três músicas, pega um livro e gosta de meia dúzia de poemas e não gosta do resto, é natural isso. Estou gostando muito das coisas que estou fazendo agora. Não sei se é a natureza ou o que é. É que hoje em dia a gente não é levado por qualquer idéia, sabe? Antigamente qualquer idéia era a melhor idéia do mundo, já era um clássico. Hoje não é assim mais.

Com quantos anos aconteceu essa mudança?

Acho que foi nos últimos dez anos. Por isso que fico com pena quando penso no que o Leminski poderia estar escrevendo, quando penso no que o Marcos Prado poderia estar escrevendo. Lógico que eles fizeram coisas geniais, não tenho a menor dúvida, mas penso no que eles poderiam estar produzindo agora, com um pouco mais de maturidade, sabe, fico pensando nessas coisas. E escrevendo sobre essas coisas.

Você é professor de Letras?

Fui professor, parei de lecionar em 1983. Lecionei durante oito anos no Cefet e fui um bom professor de literatura. A diferença grande entre mim e os outros professores de literatura é que, para mim, está tudo vivo. A galera quase enlouquecia, completamente. Para você ter uma idéia tinha um clube de criação, que eu fazia funcionar nas tardes de sábado, e chegou a ter 800 inscritos para fazer parte da leitura e de conversas sobre literatura. É memorável. Tudo que eles escutavam em sala de aula era vivo, não tinha nada morto. Qualquer coisa que eu fosse ensinar partia de uma coisa viva, uma coisa que eles sabiam que existia, ninguém imaginava que estava se falando alguma abobrinha ali ou alguma coisa que não tinha serventia, tudo tinha serventia. Encontro muitos alunos na rua até hoje e ouço os maiores elogios. Isso é uma coisa muito recompensadora.

Ela se tornava próxima…

É porque realmente a poesia que fazem hoje em dia eu não entendo. Essa poesia que tem em revista, como uma poesia inteligente, uma poesia de transformação. Eu não entendo isso. Entendo a poesia que pego e leio, conheço as palavras, sei o significado das frases, o encadeamento e consigo entender se existe alguma verdade ali, se existe alguma coisa realmente transformadora. A poesia concreta começou, fez várias experiências muito interessantes, mas depois partiu para um campo meio auto-explicativo, meio auto-promocional e esqueceu de continuar fazendo poesia. E daí entrou uma escola, uma escola que não sei, meio vagabunda, meio… Não consigo entender o que eles estão fazendo mais, entendeu? Por isso que agora estou fazendo essa poesia, estou me concentrando cada vez mais em fazer uma poesia que não tenha uma palavra desconhecida. Nada. Que vá buscar a rima mais simples para transmitir a idéia. E essa é a idéia agora de fazer poesia.

Na prosa você também é assim?

Na prosa tenho um amor muito grande pelo Machado de Assis, pelo Dalton Trevisan e pelo Nelson Rodrigues. Acho que, para escrever, você no mínimo tem que prestar uma homenagem a esses três escritores que são os melhores do Brasil. Então tem que escrever uma coisa que esteja em ritmo e pé de igualdade, e em criatividade também. E, se possível, já que a gente tem toda uma experiência de poesia no ritmo, ainda acelerar mais o ritmo. Procurei trazer o ritmo que fizesse jus a homenagem que estou colocando no livro aos três, alguma coisa que realmente fizesse sentido estar ali os nomes dos três. Por exemplo, sou fã número um do Dalton Trevisan de Curitiba, eu não, né, minha turma toda, porque a gente adora o que ele escreve.

Você se preocupa em escrever mais poesia ou mais prosa?

Simplesmente em escrever. Tem dia que gosto de escrever uma coisa diferente. Estou fazendo agora meu segundo romance, O Mundo Cão é o Melhor Amigo do Homem. Já terminei três vezes, já deletei quatro vezes, não sei como, e agora estou reescrevendo de novo. Não deleto tudo porque tem alguns capítulos que realmente estão do jeito que quero que fiquem. Mas ainda não fechou, não bateu. Sabe, não é assim que quero que o livro saia, quero uma coisa melhor.

Você é muito rigoroso com você mesmo?

Sou. Bastante. Mas tem que ser, né? Tem que ser porque acho que o leitor número um que quero atingir sou eu mesmo. É a mim mesmo, eu lendo e me satisfazendo. Acho que esse é o objetivo da coisa. Se satisfaz a mim, que me considero uma pessoa sensível, emotivo, chorão e adoro as palavras, adoro ter sentido nas coisas que faço… Então o primeiro objetivo é fazer uma coisa bela pra mim.

Não sou leitora assídua de poesia, mas vi no seu livro uma poesia-crônica.

Você conhece um verso do Gregório de Matos? Ela abre o livro dele assim: ‘pois cronista sou’. Quando o Gregório de Matos faz relatos, ele não está só fazendo poesia, ele está contando toda… tem um poema que diz assim (recita):

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh! se quisera Deus que de repente
Um dia amanhecerás tão sisuda
Que fora de algodão o teu capacete!

Um poema maravilhoso. Ele está descrevendo tudo o que está acontecendo na Bahia dessa época. Os comerciantes, o açúcar que saia da Bahia e era fruto do trabalho escravo, e era levado pelos comerciantes, de graça, em troca de besteiras. Isso é uma espécie de crônica, não deixa de ser uma crônica. Não que ela precise ser isso, ela pode ser isso também.

A sua também é isso?

Também é isso. Não que seja isso, também é isso.

Gostei muito de um poema-crônica seu sobre Curitiba. Curitiba mudou muito?

Nossa… Para você ter idéia, dormi centenas de vezes bêbado na Praça Zacarias. Era o meu ponto de ônibus, então chegava ali as três da manhã e dormia naquela graminha. Hoje nem graminha tem mais, mas tinha ali uma graminha maravilhosa e eu dormia sem a menor preocupação com as minhas coisas, deixava meus livros, minha mala. Nunca acontecia nada. Vá fazer isso hoje em dia. Você acorda sem sapato, sem roupa, espancado, lógico que a mudança que me refiro é essa, essa desumanização da cidade, essa perda, como se Curitiba não conhecesse mais meu rosto. Entendeu? É tudo estrangeiro, é tudo sempre um estrangeiro que a gente não conhece. É impressionante, a cidade perdeu muito a sua identidade.

Você sempre murou aqui na Barreirinha?

Não.

Então por que você é o polaco da Barreirinha?

Quando comprei o terreno aqui disse: ‘agora sou o legítimo polaco da barreirinha’. Aqui o lugar é maravilhoso. Tem arara, papagaio, árvores, é uma coisa maravilhosa. De noite, um silêncio. É uma paz, uma tranqüilidade, meus amigos todos sabem o caminho, tem lugar para todo mundo, sábado tinha cinco pessoas dormindo aqui. E a casa estava cheia de gente, até umas cinco da manhã tinha umas 20 pessoas. A Barreirinha era um bairro silencioso, hahaha!

Como você ganha dinheiro hoje?

Com propaganda. Atualmente trabalho pra McCann, a McCann é a maior agência do mundo e trabalho na correspondente deles em Curitiba. É uma agencia local, com  ramificações pelo resto do mundo.

Você gosta de publicidade?

Tenho que gostar porque, veja bem, é o que me dá de comer. Posso pagar a minha luz, a internet, a escola dos meus filhos. Então é o que tem.

Mas preferia escrever poemas o dia inteiro.

Claro, se a gente morasse num país… Agora, na Alemanha, teve um poeta que lançou um livro e fiquei embasbacado. O cara fez leitura dez dias no teatro, em dez dias 3.600 pessoas com o livro na mão. E aqui o pessoal mal sabe ler…

Isso que Curitiba é, teoricamente, um pouco melhor do que o resto do país…

É por isso que dá para fazer uma tiragem de mil livros de poesia, e olhe lá, né? Uma tiragem de mil, dura uns cinco, seis anos.

Você falou dos seus parceiros, no Não Temos Nada a Perder, além do Sérgio Viralobos que também assina o livro, tem muita gente…

Os poemas são dos dois. Partimos do princípio que a poesia é uma conversa de pessoas inteligentes e sensíveis. Então é a coisa mais natural o pessoal vir aqui em casa, daí a gente tá conversando e de repente: ‘pô, que linda essa frase que você falou’. Entendeu? E põe ali. Daí começa a fazer, a falar, de repente mais gente começa a dar palpite, tem três, quatro que fizeram juntos aquela idéia. E como sou um construtor, tenho facilidade para ajeitar as coisas. Encaixar, fechar uma rima ou uma estrofe, montar mesmo. Fazer o trabalho do produtor da poesia. Mas faço questão de assinar com as pessoas, já que todas colaboraram. E muitas vezes criaram o clima para aquela poesia vir ao mundo. É importante essa energia que é criada para fazer aparecer uma coisa nova. O Leminski escreveu uma vez: ‘ainda vai chegar o dia que tudo o que eu diga seja poesia’. Isso é bem próximo do que eu penso. É difícil eu acordar e começar a pensar numa coisa que esteja dissociada da poesia. É como se tivesse um bicho vivo na cabeça provocando o tempo todo. De repente vem uma canção também, é uma coisa viva, como se fossem várias pessoas falando na cabeça ao mesmo tempo. Você começa a pensar uma coisa, vem uma porção de frases, daí você anota, por medo, porque você sabe que a idéia se repete, mas a forma como ela aparece não. E toda a sutileza está na forma que ela vem.

Você tem caderno de anotações?

Tenho computador. Tenho um iPod também, pra me socorrer. No começo era tudo à mão, mas o computador é um instrumento maravilhoso de trabalho. Só o Ctrl C, Ctrl V, já poupam algumas horas de trabalho.

Você era um grande parceiro do Marcos Prado, né?

A gente tem uma história bem engraçada, eu e o Marcos Prado. Eu tinha feito um concurso de poesia, quando estudava na Católica e tava me formando em Letras. Fiz um recital de poesia que chamava Sala 17. Convidei vários poetas, fizemos um recital, foi maravilhoso e tive a idéia de fazer uma antologia. Lancei para Santa Catarina e Paraná um concurso para poetas mandarem trabalhos que eu iria publicar. E eu tinha escolhido um poeta chamado Eduardo Cabral, que escreve muito bem. E quando eu tava finalizando o trabalho, já tinha escolhido todos os poetas, os 17, o Eduardo Cabral chegou e disse: ‘vou te apresentar um amigo meu que escreve melhor que eu e merece estar no livro’. O Marcos Prado tinha 14 anos naquela época. Ele tava com uma bolsa de lona, tirou os poemas e me deu. Falei: ‘realmente’. Ficamos amigos naquele dia. Ficamos durante 25 anos escrevendo e falando sobre poesia.

Vocês freqüentavam qual bar?

O Bar do Lino.

E o Bar do Meio?

O Bar do Meio foi depois que o Marcos faleceu. A gente salvou a nossa alma ali. Quando ele morreu a gente ficou muito triste, a gente se reunia toda noite ali e fizemos também um trabalho muito rico, muito legal, nesses dois anos que a gente freqüentou o Bar do Meio. Eu e o Edílson del Grossi fizemos quase 200 canções.

Hoje em dia você tem outros parceiros. Você acha que existe uma produção tão significativa quanto naquele tempo?

Acho que não dá para comparar as coisas, sabe? Mas é muito bom o que está acontecendo hoje.

Por que?

Porque é muito legal, uma poesia diferente. A poesia de Curitiba é muito especial mesmo. Porque, na verdade, tudo é ecologia. E aqui se criou uma ecologia maravilhosa, poetas, contistas, artistas gráficos… Tudo isso deu uma densidade emocional para a cidade que é uma poesia muito diferenciada. Acho que hoje a melhor poesia que se faz no Brasil é Curitiba. Não acompanho o mundo todo para poder dizer, mas talvez no mundo. E ecologia é essa coisa transformadora que vai moldando, são as influências que vão fazendo pequenas transformações. Como se você tivesse recebendo informação de tudo quanto é lado, e você é um produto disso.

E a maioria é escrita por homens…

É, infelizmente, mas têm algumas mulheres também.

A poesia é uma coisa mais masculina?

Não é uma coisa mais masculina ou feminina. Mas é que as mulheres não se interessam por isso. Mulher tem uma visão muito prática da realidade, eu acho. Isso talvez as afaste um pouquinho da poesia e da canção. Você veja como é raro compositoras…

Porque é todo um universo…

É, você pega na antiguidade, por exemplo, é tudo coisa de homem. Mas ainda bem que tem muitas poetas já.

Quais são os temas delas?

Falam tudo, as poetas que gosto falam como se fossem um parceiro mesmo. Mas tem uma maneira bem diferenciada de escrever.

Há de se manter feminina.

É, tem a Emily Dickinson, por exemplo, que tem uma poesia maravilhosa. Uma poesia que tem um lirismo, uma construção maravilhosa, adoro ler as coisas que ela escrevia, e ela ficou inédita a vida inteira, só publicaram o livro depois que ela morreu.

Talvez para os homens isso seja mais livre.

Porque a poesia também tem aquele lado de… você falou do cronista, tem aquele lado de estar presente, participando das coisas e dos movimentos.

E o que é o seu novo cd, o Wojciechowski?

Vou mostrar pra você, acho melhor (coloca o cd).

Tem uma música que fala sobre os corações enamorados. Você acha que os corações não estão mais enamorados?

Não, hoje os corações estão assexuados. Só querem trepar. Como se trepar fosse resolver a vida deles. O raciocínio que eles fazem é que a liberdade é ser livre sexualmente. Enquanto ser livre é ter consciência de tudo, consciência do universo e saber que o seu destino é construído através dos seus pés. E que a justiça você faz com os seus braços e pernas. Quando se tem essa consciência você é livre. Se você não tem, não serve para nada.

Mas quando você era mais jovem pensava assim?

Mas poeta pode, poeta não conta, hahaha.

Você sempre cantou?

Só canto em casa. Cantei no estúdio, mas poucas vezes canto em publico. Vou lá, canto umas canções que o pessoal gosta, mas não tenho essa coisa de me profissionalizar como cantor, nem quero.

Mas você pretende lançar o disco?

É, vou lançar, mas não sei se vou cantar do jeito que tá no disco. Acho que vou cantar com o meu violão, falar alguns poemas e só. Cantar outras músicas que não tem nada a ver com o disco.

Você escreve música?

Não.

Só toca.

Nem tocar direito eu toco. Falo pra todo mundo que o violão, para mim, é um instrumento de percussão. Toco, mas do meu jeito. Tem gente que acha que as músicas deveriam ser gravadas como eu faço com o violão, tem uns amigos que não gostaram do disco, eles preferem gravar a música como eu toco.

Faz o cd 2.

Falei que vou fazer, como é que chama… o acústico.

Voltando aos seus textos, vários que li achei que pareciam descrentes…

Não, não sou descrente não, sou até bem humano, humano demais até. Tomara que as pessoas aprendem a viver em paz. É só isso que a gente quer. Tem países em que o banco funciona no meio da rua, que a última queixa crime na delegacia foi anos atrás, e a gente aqui teve 10 mil mortes no ano passado. Nenhum país em guerra tem tanta morte quanto o Brasil vivendo sem guerra. Isso é uma coisa triste. Vejo crianças abandonadas, essa coisa de menina de 12 anos estar indo para balada, ficando grávida com 12, 13 anos, é um absurdo. Não tem condições nem de se sustentar e de se aceitar como pessoa, como é que vai sustentar outra, aceitar outra pessoa? Isso constrói uma história de dor.

É para falar para essas pessoas que você está deixando a sua poesia mais simples?

Para falar para todo mundo, não só para essas pessoas mas para todo mundo. Está se construindo uma história de dor, de violência, mas ao mesmo em que o momento é triste, depois ele é alegre, porque é a construção de uma história, de uma sabedoria. A dor e o sofrimento ensinam as pessoas. E isso vai fazer com que haja logo uma grande ação transformadora. Tem que ser.

Como você lida isso tudo com os seus filhos (Alessandro, Alua, Paola e Kevin)?

Bem, eles me adoram, né? O que posso querer mais do que ser um pai que os filhos adoram? Bom demais. Ultimamente tem sido difícil conversar muito, porque eles estão com muito trabalho, principalmente a Alua. A Paola é tipo eu, sabe? Ela é Leão e é Tigre no horóscopo chinês. O elemento dela é fogo, então, você pode imaginar, só dá ordens o tempo todo.

Você é assim?

Sou Tigre e Capricórnio. Tenho voz de comando, por isso que as coisas passam a acontecer.

Você faz aniversário em dezembro?

Faço aniversário dia 24 de dezembro. Nasci às 23h45 do dia 24 de dezembro. Minha mãe tava tirando o peru do forno, sentiu as contrações, a vizinha atendeu e eu nasci.

O sentimento de família é muito forte pra você?

As pessoas falam: ‘como é que você consegue falar tanto assim?’. Porque quando começo a falar não paro. E ultimamente tem sido um aprendizado ficar quieto. Fico lá em cima, quieto durante horas, na verdade tô falando porque estou escrevendo… Mas isso é porque lá em casa era uma loucura, na casa da mãe. Éramos nós, dez irmãos, e os amigos de nós todos. Era uma loucura, o dia inteiro aquela gritaria, a casa era uma festa. E a gente sempre atraiu muita gente para a nossa casa, o vovô Julio, pai da minha mãe, já era assim. Então a casa da minha mãe, quando ela era criança, também era assim, muitos filhos também e sempre tinha comida pra todo mundo. Sempre falo assim, apesar da pobreza quase absoluta que a gente viveu, a gente era muito rico. Nunca faltava comida, tinha sempre para nós e para quem mais aparecesse. Milagre é o que minha mãe fazia.

*Publicada originalmente no site O Plano B, entre 2005 e 2006.

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